O vermelho é a cor mais fria

[IT] Il rosso è il colore più freddo
[EN] Red is the coldest color ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

"Espero mostrar um pouco da vida normal deses lugares... mas deixo o vermelho para nos alertar. Que mostrar essas fotos nos ajuda a começar um tratamento, pela arte, do que nos de na alma."

Normalmente vemos o vermelho como uma cor quente. Tecnicamente é mesmo. Mas algo aconteceu e me fez ver de forma inversa, o vermelho como símbolo de uma época difícil, para mim, para todos. Destacar o vermelho destas fotos me ajudou a decifrar parte do que sinto nesse momento de pandemia do coronavirus (covid-19). Todas são fotos de cidades fortemente afetadas pela crise que arrasa o mundo nesse momento. Assim o vermelho passou a representar algo frio. 

As fotos dessa seleção são originalmente de duas séries diferentes:

  • PASSAGENS - fotos feitas na Itália, em outubro de 2019, quando estive no norte do país, justamente a região hoje mais afetada. Milão, Turim, Brescia e outros lugares, tão vivos naqueles dias, vazio e tristes agora. 
    "Passagens são pensamentos, também lugares, também são ingressos. Passagens são sonhos e também possibilidades. Passagens passam, são finitas, mas também nunca terminam de passar. O bom é que tudo passa. O mal é que tudo passa."

  • RETRATOS SILENCIOSOS DO BARULHO INTERIOR - Fotos feitas em São Paulo entre o final de 2019 e 2020. 
    "Por fora parecemos linhas retas, mas por dentro somos redemoinhos difusos. O silêncio exterior esconde um barulho ensurdecedor."

Vejo agora as fotos que fiz na Itália em outubro de 2019 e estão diferentes. Exatamente os lugares que passamos foram os mais atingidos pela pandemia do coronavírus. Naqueles dias as cidades estavam cheias e alegres. A vida seguia o que consideremos o curso normal. Hoje são lugares desertos, as pessoas em casa, todo o comércio fechado. Triste. Então me surgiu essa frase, "O vermelho é a cor mais fria", contraditório pois o vermelho é uma cor quente, mas também é a cor que representa o perigo, o sangue, a cruz vermelha... enfim, talvez as fotos ajudem a pensarmos, sentir um pouco da solidão, nos alertar, nos sensibilizar. Depois comecei a olhar as fotos recentes que fiz na minha cidade, São Paulo, que por sua vez é a mais atingida no Brasil. Parece até que eu trouxe a doença, isso me derruba. Bate até um peso na consciência, ou um arrependimento, não sei, talvez o contrário, uma missão. Espero mostrar um pouco da vida normal deses lugares... mas deixo o vermelho para nos alertar. Espero que isso ajude, um pouco ao menos. Que mostrar essas fotos nos ajuda a começar um tratamento, pela arte, do que nos de na alma. 

Podemos lembrar que quem é atingido pela atual pandemia não são números, são pessoas.

Seguem algumas dessas fotos para sua apreciação. 

[Milão, Itália, 2019 - série Passagens]

Milão foi a primeira cidade que estivemos na Itália. Para mim pareceu uma "São Paulo de lixo", uma cidade grande, muito cheia, com multidões nas ruas do centro, muito comércio, principalmente lojas de roupas. Fui até o bairro dos hospitais, como o Hospital das Clínicas aqui em São Paulo, um complexo hospitalar imenso, pois foi ali que nasceu meu bisavô Gaetano Giostri. Hoje devem ser estes hospitais os lugares com mais pacientes de Covid-19 no mundo. 

[Turim, Itália, 2019 - série Passagens]

Em Turim passamo só um dia, mas que cidade rica, linda, atemporal. 

[São Paulo, Brasil, 2019 - série Retratos silenciosos do barulho interior]

[Brescia, Itália, 2019 - série Passagens]

Em Brescia ficamos uma semana, a etapa final da cidade. Região de meus antepassados e onde estive quando bebê. Adoramos a cidade, amamos mesmo, nos identificamos e nos sentimos em casa. Hoje é uma cidade devastada pela doença, um dos locais com mais falecidos. 

[Turim, Itália, 2019 - série Passagens]

[São Paulo, Brasil, 2020 - série Retratos silenciosos do barulho interior]

[Brescia, Itália, 2019 - série Passagens]

[Brescia, Itália, 2019 - série Passagens]

[São Paulo, Brasil, 2020 - série Retratos silenciosos do barulho interior]

Trabalho e vivo em um bairro central de São Paulo. Trabalho na Unifesp, que tem o segundo maior complexo hospitalar da cidade.

A pandemia está passando tão perto de mim, da minha família. Parece até um pesadelo. 

[Milão, Itália, 2019 - série Passagens]

Como a Leira Ramos me disse lá no Facebook, como uma foto pode ser bela e triste ao mesmo tempo? Mas isso é a arte, que comporta o contraditório, por isso representa tão bem a própria vida, sempre contraditória, multicamadas, irregular, confusa, mas linda.  

Mais fotos dessa série: https://www.flickr.com/photos/ybittar/albums/72157713520308257 

 

  

Sobre o autor:

Yuri Bittar é fotógrafo desde 1998, designer (Mack) historiador (USP) mestre em Ensino em Ciências da Saúde e doutorando (UNIFESP). É instrutor de Mindfulness certificado pelo Mente Aberta Brasil, praticante de Fotografia Contemplativa desde 2012, tema sobre o qual desenvolve doutorado. Através da história oral, da fotografia, da literatura e outros recursos, tem buscado criar projetos mais próximos ao humano e que contribuam para a melhora da qualidade de vida.

"Acredito que a fotografia pode e deve estar presente no dia-a-dia, como trabalho, como expressão artística e como registro, e ainda como oportunidade para o relacionamento humano, para conhecimento e auto-conhecimento."

Site pessoal: www.yuribittar.com