História do alfajor: partes 1 a 4

Parte 1: Introdução

Afinal, que doce é esse? O alfajor além de delicioso (em todas as versões) é um doce que agrada a um historiador como eu, pois tem séculos de história, interligada aos grandes movimentos da trajetória humana. Surgiu da ocupação muçulmana na península ibérica, foi para a América com as grandes navegações, se espalhou pelo continente com as guerras e o comércio, e em cada região adquiriu características que refletem a cultura local. 

Aos poucos vou contando a história desse doce delicioso, curiosidades, variações de receita nas diferentes regiões, etc. O alfajor é um doce muito popular no Uruguai e na Argentina, muito presente também no Paraguai, Chile, Perú e Brasil, além da Espanha, país de origem.

A origem do alfajor remonta a ocupação muçulmana na Península Ibérica, Espanha e Portugal, aproximadamente de 700 a 1500. Essa ocupação, mais uma colonização, que ao contrário do senso comum não foi de árabes, mas de africanos muçulmanos de língua árabe, deixou forte influência na Espanha, em especial na arquitetura, música e culinária. Na região de Andaluzia doces semelhantes são relatados desde o século 8. O gramático espanhol Nebrija registrou a palavra pela primeira vez em 1492 como alfaxor or alaxur.

Com a colonização da América esse doce rapidamente se tornou popular em praticamente toda América Latina. Muitas variações surgiram, como o pão de mel e o bem casado, este aliás mais próximo da receita original do que os famosos uruguaios e argentinos cobertos de chocolate.
Bom, aos poucos vou contando mais, espero que vocês curtam essas pitadas de história e sabor!

O alfajor da foto é o Negro da Punta Ballena, do Uruguai

Parte 2: Os tempos remotos

O domínio romano havia caído na Europa. Na região da Espanha havia se estabalecido o reino dos visigodos, porém em 710 com a morte do rei e disputas de sucessão, uma das partes pediu ajuda ao governador muçulmano da África, Muça Ibne Noçair.

Os reinos muçulmanos da África eram muito ricos e desenvolvidos, e com essa porta aberta aproveitaram e dominaram a península ibérica por 700 anos. Com 18 mil homens ele conquistou Medina Sidonia, Alcalá de Guadaira e Carmona, cidades de Cádiz, Andaluzia, bem ao sul da Espanha, e perto da África.

Um doce semelhante ao alfajor, chamado alajú é encontrado no livro de receitas árabe-hispânico Kitab al-Tabikh, escrito por um autor anônimo no século X em Bagdá.


O alfajor do tipo peruano é um pouco mais próximo ao original

No século XII, Raimundo Martin descreve em seu livro Vocabulista outra possível etimologia do hispano-árabe, fasur , que significa "néctar". Assim esse doce veio do mundo árabe e chegou á Espanha!

Parte 3: Alfajores em Roma

No livro “La sabrosa historia del turrón y primacía de los de Jijona y Alicante” Francisco Figueras Pacheco traça a história do torrone, é relata a “histórinha” presente no famoso livro Guzman Alfarache (1599), onde o tal pícaro (malandrinho) conta que no seu tempo de mendigo em Roma, pedia e ganhava tanto pão que revendia para fabricantes de torrones e alfajores. O historiador duvida um pouco disso, pois são doces bem diferentes, mas isso mostra que o alfajor nesse momento tinha certa fama.

O autor de Guzman Alfarache, Mateo Alemán, era de Sevilha, Andaluzia, a terra do alfajor. Então se tinha alfajor em Roma nessa época não sabemos ao certo, mas é uma possibilidade.

Parte 4: Medina Sidonia

Em fevereiro de 2018 estive nessa cidade, considerada a terra natal do alfajor, no sul da Espanha, província de Cádis, Andaluzia, para provar o Alfajor de Medina Sidonia, a receita mais antiga que se pode encontrar atualmente. Fui na loja do Fabricante Sobrinas de las Trejas, que existe desde 1852.

Alfajor de Medina Sidonia

Delicioso e surpreendente. Dei nota 4.9 para o sabor pois é diferente do que estamos acostumados, não é industrializado nem tem chocolate, parece mais natural, mas é uma delícia. Imagine um torrone mas mais macio e puxado pro mel. 

Alfajor de Medina Sidonia

Os ingredientes e modo de preparo são padronizados por lei municipal, e são feitos com "miel pura de abeja, almendras, avellanas, harina, pan rallado y especias (cilantro, clavo, matalahúva, ajonjolí y canela)" desde séculos atrás. Provavelmente os alfajores levados para a América a partir do século XVI eram assim. Mais detalhes em http://www.medinasidonia.es/en/medina-sidonia/reposteria/ . O mais incrível talvez seja saber que está comendo um pedaço da história. 

Alfajor de Medina Sidonia  Alfajor de Medina Sidonia 

Claro que experimentamos outros doces lá, a maioria à base de amêndoas, todos ótimos, o que mais gostei foi o Amarguillo.

  Alfajor de Medina Sidonia

Esta história está em contrução, a última atualização foi em 08/3/2018. Em breve a parte 5. 

Acompanhe também em:

https://www.instagram.com/alfajorbrasil/ 

https://alfajorbrasil.tumblr.com/

Fontes: 

https://en.wikipedia.org/wiki/Alfajor

https://books.google.com.br/books?id=NsbwHKx38E8C&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false

 

Sobre o autor: Yuri Bittar é designer, fotógrafo e historiador. Atua como designer gráfico, e desenvolve cursos de fotografia, exposições e as saídas Fotocultura, além de pesquisas sobre humanização no ensino da saúde. Através da história oral, da fotografia, da literatura e outros recursos, tem buscado criar projetos mais próximos ao humano e que contribuam para a melhora da qualidade de vida.