A beleza que está no caminho - sobre a Fotografia Contemplativa
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- Categoria: Artigos sobre fotografia
- Publicado: Sexta, 10 Julho 2020 19:44
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Penso que na "fotografia normal" se busca observar o conjunto, pois há um objetivo, um fim. Na "fotografia normal" importa o resultado, não como se chega a ele, busca-se uma boa foto, se o caminho para isso for agradável, melhor, mas não se exige. Tudo isso de um modo geral, claro. É preciso esclarecer que isso não é uma crítica a nenhum tipo de fotografia, apenas uma sugestão de uma atividade com outros objetivos, como a busca pelo bem estar.
Na fotografia contemplativa é diferente, quase o oposto. Não centramos no resultado, mas no fazer. Como uma prática contemplativa, o objetivo é o exercício de contemplar, de estar presente, conhecer o momento, viver intensamente o agora. Se a foto ficar boa, ótimo, se não ficar, tudo bem.
A fotografia contemplativa portanto é o caminho, não o fim.
Nesse caminho tentamos destravar um outro olhar, não aquele olhar que busca o melhor, o útil, o considerado bom, mas um olhar que busca apenas conhecer, estar. Nesse processo um possível exercício é perceber os aspectos visuais separados. Vamos listá-los:
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Cor
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Textura
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Forma
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Luz
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Espaço
Há outros aspectos do mundo visual, mas basicamente são esses.
Então o objetivo de fazer fotografia contemplativa não é a boa foto no final, mas se demorar no processo. Por isso não separamos esses aspectos para entender melhor (como na ciência), mas na verdade vamos a um de cada vez para nos demorar mais, para permanecer mais tempo no caminho.
Um descrição simples mas profunda da fotografia contemplativa seria:
Uma forma de demorar-se nos detalhes, permanecer mais tempo no olhar e adiar o julgamento.
Fazer a fotografia contemplativa pressupõe três passos (veja com mais detalhes aqui: http://www.fotografiacontemplativa.com.br/artigo02.html )
Passos:
A)Flash de percepção - É um instante em que a visão é clara e profunda. É o momento exato que olho e mente se alinham, uma pausa no processo racional. Isso ocorre com todos e sempre. O desafio é reconhecer esse lampejo da percepção. É preciso estar disposto e aberto para poder reconhecer o flash, caminhar em direção à calma e imobilidade é essencial. Temos que aprender a apreciar o cotidiano, e saber que o flash será repentino e irá quebrar nossa rotina, é preciso deixar isso ocorrer. Exemplo: imagem no reflexo do monitor ou TV.
O “Flash” é como uma epifania. “Obviamente, uma epifania não pode ser criada, ela simplesmente acontece, um ato de graça, acidente e transformação — no entanto, é o trabalho anterior que torna tal “acontecimento” possível. E o que é uma epifania? Diria que é uma mudança repentina da mente, quando a preocupação consigo (e outras formas de preocupação) se dissolve e ocorre um momento quase explosivo de apreciação.” (Scheffel).
B)Percepção visual - Momento de manter o flash, não cair em reflexões e deixar a cena nos guiar. Não sair do presente e não cair em expectativas. Deixar na banguela, não fazer nada. O flash pode ser claro ou não, pense então no que te parou, e não faça perguntas conceituais, tente perguntar sem palavras. As respostas tem que ser visuais. Não rotule.
C)Formando o equivalente - Só pegue a câmera depois de entender seu flash. Devemos fotografar o que vemos, achar na cena o que realmente nos despertou e entender qual composição isso pede.
Vejam então que na fotografia contemplativa não queremos resultados específicos, mas queremos conseguir nos abrir para a experiência, para as descobertas, no fundo não queremos dominar a vida, mas deixar que ela nos leve. Há aqui uma dispensa de controle, e uma apreciação pelo comum, pelo simples, enfim, pelo caminho.
Ao apreciar o caminho, e não nos preocupar com o fim, acaba a ansiedade e qualquer possibilidade de decepção.
Referências:
KARR, Andy e WOOD, Michael. The Practice of Contemplative Photography: Seeing the World with Fresh Eyes. Shambhala Publications, Boston, 2011.
Site: Seeing Fresh - Contemplative photography by Andy Karr
PARA LER MAIS: http://www.fotografiacontemplativa.com.br/artigos.html
* Esta reflexão surgiu a partir de uma aula do meu Curso à Distância de Fotografia Contemplativa. A Fotografia Contemplativa é algo que estamos sempre aprendendo, não há uma formatura, e a cada dia entendemos melhor, as vezes tem dias que sentimos que entendemos menor=s, o importante é ir vivendo e praticando.
Sobre o autor: Yuri Bittar é fotógrafo desde 1998, designer (Mack) historiador (USP) mestre em Ensino em Ciências da Saúde e doutorando (UNIFESP). É instrutor de Mindfulness certificado pelo Mente Aberta Brasil, praticante de Fotografia Contemplativa desde 2012, tema sobre o qual desenvolve doutorado. Através da história oral, da fotografia, da literatura e outros recursos, tem buscado criar projetos mais próximos ao humano e que contribuam para a melhora da qualidade de vida. "Acredito que a fotografia pode e deve estar presente no dia-a-dia, como trabalho, como expressão artística e como registro, e ainda como oportunidade para o relacionamento humano, para conhecimento e auto-conhecimento." Site pessoal: www.yuribittar.com |