A FOTOGRAFIA CONTEMPLATIVA DE YURI BITTAR Entrevista para a Err01
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- Publicado: Terça, 03 Abril 2018 16:18
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A revista Err01 é uma publicação do FCPA - Foto Clube de Pouso Alegre, MG
Leia o original em:
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A FOTOGRAFIA CONTEMPLATIVA
A fotografia contemplativa é uma experiência oriental, que procura conectar o ato fotográfico com práticas de meditação. Muito diferente da cultura capitalista ocidental, essa experiência fotográfica não procura resultados, tampouco coloca o valor de uma fotografia em critérios de eficiência informativa ou funcionalidade plástica. É um modo de vivenciar a fotografia como atitude contemplativa da simplicidade do cotidiano e da relação que com ele estabelecemos.
A Err01: Revista de Fotografia conversou com Yuri Bittar, um dos grandes fotógrafos brasileiros de referência na fotografia contemplativa.
Como surgiu o interesse pela fotografia?
Tem duas origens, primeiro a admiração por um bisavô que era, entre outras coisas, fotógrafo. Quando tinha uns 16 anos comecei a me interessar em registrar viagens e festas com amigos. Logo comecei a ter um interesse mais artístico. Na faculdade de desenho industrial tive contato mais profundo com a fotografia e em seguida consegui um emprego como fotógrafo em uma revista.
O que é fotografia para você?
Acima de tudo uma forma de colocar sentido, mesmo que apenas momentâneo, no caos da vida. Acho que a fotografia amadora só faz sentido se for uma forma de encontrar mais humanidade, mais paz e harmonia. Não pode ser mais um estresse na vida.
Você é um dos nomes mais importantes do Brasil na Fotografia Contemplativa. Como surgiu esse interesse em você?
Em 2011 uma amiga, Bel Barbiellini, perguntou se uma foto minha era “miksang”. Fui investigar o que significava essa palavra, outro nome usado para fotografia contemplativa, e gostei da ideia. No princípio achei que seria mais um bom recurso, mas com o tempo percebi que havia algo mais.
Muitas coincidências foram me colocando nesse caminho. Ganhei o livro do Andy Karr e Michael Wood (The Practice of Contemplative Photography: Seeing the World with Fresh Eyes) e depois o Andy veio dar uma oficina em São Paulo. Por fim, descobri o mindfulness e hoje a fotografia contemplativa é minha principal atividade, trabalho e estudo.
Como você vê a relação entre fotografia e espiritualidade?
Acredito que a fotografia pode ser um começo para percebermos como há muito mais em nossa vida cotidiana e que podemos ficar mais felizes com o que temos, buscando harmonia e simplicidade.
Historicamente, a cultura ocidental valorizou muito a razão, controle, competição. Enquanto que as culturas orientais, especialmente as tradições budistas, valorizavam o equilíbrio entre razão e emoção, controle e desprendimento, autonomia e competição. Essa característica pode ser observada também na fotografia. A racionalidade da geometria de Cartier-Bresson, da nova objetividade alemã, do modernismo brasileiro dos anos 40. Todos esses movimentos tem em comum uma obsessão pela técnica, pela composição geométrica e pelo controle dos elementos da imagem. A fotografia contemplativa pode ser entendida também como um tipo de fotografia subversiva à lógica da fotografia capitalista? Pode ser entendida como uma forma de fotografia crítica? Um resgate da simplicidade do cotidiano, que a cultura ocidental pouco valoriza?
Acho que a fotografia contemplativa vai contra a maré da fotografia dos últimos 150 anos, ligando-se, na verdade, aos primeiros movimentos da fotografia de meados do século XIX, quando havia muito mais uma busca por descobrir do que por controlar ou dominar.
A fotografia contemplativa busca uma prática harmoniosa e simples, um encontro com o momento presente, e assim seja algo desestressante, enriquecedor e eu diria até humanizador, enquanto a excessiva busca por técnica e valor, seja financeiro ou em “likes” , acaba tendo um efeito estressante.
Quais perguntas movem seu olhar fotográfico hoje?
A fotografia contemplativa me ajudou a entender que a busca deve ser (para mim) por descobrir, conhecer, viver e não por conquistar ou acumular. Minhas perguntas hoje são: que imagens realmente mostram algo dos lugares e pessoas? Que imagens enriquecem a vida, para mim e para quem as vê? E principalmente: que imagens este dia me oferece? Pois aceitar e agradecer as imagens que recebemos nos tira da busca, da ansiedade e da preocupação de fazer boas fotos.
O que é uma boa foto para você?
Acima de tudo as fotos reais, que têm uma beleza encontrada no comum, no natural, no espontâneo. Fotos que embora possam ser um momento especial contenham também a riqueza do cotidiano. Fotos que valorizem o dia a dia e nos ajudem a descobrir algo novo.
Indique três fotógrafos que constituem referências de inspiração do seu modo de ver a fotografia.
Sebastião Salgado, o primeiro fotógrafo que admirei, Henri Cartier-Bresson, o primeiro que fez sentido para mim (e ele era budista) e Andy Karr, que me ensinou a fotografia contemplativa.
Se pudesse escolher uma fotografia ou uma série mais importante para você, qual seria ela e por que?
A minha série “A vida entre linhas” é minha mais importante até agora. Embora não seja exatamente fotografia contemplativa, tem a influência desta e ao mesmo tempo reflete muito da minha trajetória. Tem algo dos meus amigos, dos meus alunos e das minhas viagens.
Mas se for uma foto só eu destacaria a “SK8 girl”, que é uma contemplativa, a melhor que fiz até agora.
Qual foi a melhor foto que você não fez?
Houve ocasiões que aconteceram coisas lindas, e preferi ficar olhando, e não fotografei. Não me arrependo pois vivi o momento e não sinto falta das fotos.
Qual fotografia você jamais faria? Por que?
O que hoje acredito que não faria seria usar a fotografia para me aproveitar de alguém. Fotografar algo grave sem que essa fotografia possa ajudar de alguma forma, como fotografar uma criança com fome e ser apenas mais uma denúncia vazia.
Três bons livros sobre fotografia.
The Practice of Contemplative Photography: Seeing the World with Fresh Eyes. KARR, Andy e WOOD, Michael.
O imaginário segundo a natureza, de Henri Cartier-Bresson
Ensaios sobre a fotografia, de Susan Sontag
Um filme bom de fotografia.
Blow Up, um clássico de Michelangelo Antonioni, que talvez seja o exemplo do que um fotógrafo não deveria ser, mas é um filme essencial.
Que conselhos você daria para quem está começando na fotografia?
Se preocupe mais em ver, entender a luz, conhecer a vida, curtir e aproveitar o mundo através da fotografia. Preocupe-se menos com equipamentos e técnicas. Aprender fotografia é essencial e ficar à vontade com as câmeras te dá liberdade, mas esse é só o começo. A verdadeira bagagem é a experiência. Então fotografe muito, crie projetos, mostre suas fotos e faça mais fotos.
Yuri Bittar é fotógrafo em São Paulo, designer e historiador, mestre em Ensino de Ciências da Saúde pelo CEDESS/UNIFESP
yuribittar.com